sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

MEDO DA VIDA


"Quantas pessoas que se quiseram suicidar
 se contentaram em rasgar a própria fotografia!"
Jules Renard


Prevenção nunca é demais
 
SUICÍDIO um tema que não deveria ser tabu, uma realidade muito frequente no Brasil, pais que ocupa  o triste oitavo lugar com mais suicídios no mundo, com dados   assim devemos fazer um alto e pensar no que esta acontecendo, porque esta acontecendo, com quem acontece e como fazer para não continuar acontecendo.                                                                                     A ideia suicida surge como resposta a estados de impotência, sentimentos de rejeição, perda, solidão, vergonha e culpa dentre outros. Transtornos psicológicos como os transtorno de humor (transtorno bipolar, distimia, e depressão maior), psicoses, transtornos de ansiedade, demências e transtornos de personalidade podem agravar o processo de ideação suicida, quadro que também pode estar associados à dependência de drogas, álcool e a fatores como: perdas afetivas, financeiras, doenças graves, envelhecimento, históricos de abandono, negligencia, abuso, suicídio de algum familiar ou pessoa significativa seja de forma afetiva ou introjetada. A morte vista como forma de alivio e como fuga alimentam o pensamento suicida.                                                                                                                            Na prática clinica, observa-se um aumento de pacientes com grandes dificuldades de enfrentamento, pessoas com muito medo de expor anseios e medos. Anseio do anseio e medo do medo.        O estresse, o foco no TER e não, no SER, a pressa, o controle, as frustrações fazem parte de um cotidiano que achamos "normal". Cada vez temos maiores dificuldades de falar de nós, falamos da vida como se a vida não fosse nossa, a vida vivida e sentida como fonte de problemas e de sofrimento. Temos medo de expor nossos anseios pensando que podemos ser julgados, criticados, maltratados ou não entendidos, e assim ficamos na superfície, no isolamento, na vitimização, assim a senhora  depressão vai ganhando espaço e assim começamos a perder.

OUTROS OLHARES comparte hoje três olhares que convidam à reflexão. O primeiro OLHAR, a frase que inicia esta publicação do novelista e dramaturgo francês Jules Renard (1864/1910), o segundo OLHAR, o relatório da Organização Mundial da Saúde e o terceiro OLHAR, o olhar preventivo da Associação Brasileira de Psiquiatria ABP, uma cartilha que merece ser divulgada. Seguem os links no final do texto.
Abraços a todas e a todos. Hoje sexta-feira, um dia para agradecer, viver e lembrar que mesmo na dificuldade  A VIDA é bonita demais.. 
Luz Marina


Jules Renard
"Quantas pessoas que se quiseram suicidar se contentaram em rasgar a própria fotografia!"Jules Renard

Brasil é o 8º país com mais suicídios no mundo, aponta relatório da OMS

 "Novo relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde, a OMS, chama a atenção de governos para o suicídio, considerado “um grande problema de saúde pública” que não é tratado e prevenido de maneira eficaz.

Segundo o estudo, 804 mil pessoas cometem suicídio todos os anos – taxa de 11,4 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. De acordo com a agência das Nações Unidas, 75% dos casos envolvem pessoas de países onde a renda é considerada baixa ou média.

O Brasil é o oitavo país em número de suicídios. Em 2012, foram registradas 11.821 mortes, sendo 9.198 homens e 2.623 mulheres (taxa de 6,0 para cada grupo de 100 mil habitantes). Entre 2000 e 2012, houve um aumento de 10,4% na quantidade de mortes – alta de 17,8% entre mulheres e 8,2% entre os homens. O país com mais mortes é a Índia (258 mil óbitos),  seguido de China (120,7 mil), Estados Unidos (43 mil), Rússia (31 mil), Japão (29 mil), Coreia do Sul (17 mil) e Paquistão (13 mil).

O levantamento diz ainda que a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio e apenas 28 países do mundo possuem planos estratégicos de prevenção. A mortalidade de pessoas com idade entre 70 anos ou mais é maior, de acordo com a pesquisa.

Dificuldades
Para a OMS, o tabu em torno deste tipo de morte impede que famílias e governos abordem a questão abertamente e de forma eficaz. “Aumentar a conscientização e quebrar o tabu é uma das chaves para alguns países progredirem na luta contra esse tipo de morte”, diz o relatório.

O estudo da OMS aponta que os homens cometem mais suicídio que as mulheres. Nos países ricos, a taxa de mortalidade de pessoas do sexo masculino é três vezes maior que a de óbitos envolvendo o sexo feminio.

Sobre as causas, o relatório afirma que em países desenvolvidos a prática tem relação com desordens mentais provocadas especialmente por abuso de álcool e depressão. Já nos países mais pobres, as principais causas das mortes são a pressão e o estresse por problemas socioeconômicos.

Muitos casos envolvem ainda pessoas que tentam superar traumas vividos durante conflitos bélicos, desastres naturais, violência física ou mental, abuso ou isolamento.

Resposta nacional
De acordo com a OMS, uma maneira de dar uma resposta nacional a este tipo de morte é estabelecer uma estratégia de prevenção, como a restrição de acesso a meios utilizados para o suicídio (armas de fogo, pesticidas e medicamentos), redução do estigma e conscientização do público. Também é preciso fomentar a capacitação de profissionais da saúde, educadores e forças de segurança, segundo o estudo.

Para a agência, os serviços de saúde têm que incorporar a prevenção como componente central. “Os transtornos mentais e consumo nocivo de álcool contribuem para mais casos em todo o mundo. A identificação precoce e eficaz são fundamentais para conseguir que as pessoas recebam a atenção que necessitam”.

Fontes: http://www.abp.org.br/portal/conheca-a-cartilha-para-combater-o-suicidio/
http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/09/brasil-e-o-8-pais-com-mais-suicidios-no-mundo-aponta-relatorio-da-oms.html 

domingo, 23 de novembro de 2014

A DANÇA INTERIOR


A DANÇA INTERIOR: Na Sala de Espera do Analista




Enquanto aguardo pacientemente impaciente terminar uma reforma em casa, decidi literalmente sacudir a poeira e retomar novamente meu blog OUTROS OLHARES, esquecido por mim e talvez pelos meus leitores. Estou aqui movida pelas minhas reflexões e meus interesses tentando escrever em portunhol sobre vínculos, relações e outras cositas.       
                       
As mensagens rápidas nas redes sociais e a vida corrida aparecem como desculpas que não justificam de forma alguma esta ausência ou descaso com um espaço que exige de mim uma parada, um momento de reflexão, uma intenção e uma ação.


Uma conversa via whatsapp (outra quase rede social de mensagens que pessoalmente acho barata, rápida, pratica e útil porém algumas vezes impessoal), foi minha fonte de inspiração, assim foi que decidi um domingo parar e escrever sobre um tema do meu cotidiano, o setting terapêutico. 

O termo Setting terapêutico, foi definido  por Zimerman em 1999, como o espaço organizador e normativo estabelecido logo no início do tratamento psicoterapêutico. Uma vez estabelecido o contrato terapêutico a proposta é de se tornar um espaço seguro onde o cliente ou paciente seja acolhido em sua forma de ser, um espaço para elaborar a dor, trabalhar magoas, medos e conflitos, configura-se principalmente como um espaço de construção. E,é aqui neste espaço que as dinâmicas relacionais paciente - terapeuta, terapeuta - paciente se consolidam e fortalecem, duvidas, incertezas, transferências e contratransferências dançam juntas, nas percepções individuais, ora paciente, ora terapeuta.


Naquela conversa descobri em mim um sentimento velado de impotência e solidão. Um simples comentário me fez pensar quanto paciente e terapeuta navegamos juntos na psicoterapia. Navegamos em um navio útero acolhedor e contenedor. Lá vamos nós nesta travessia, paciente e terapeuta, armados algumas vezes e carregados de redes  com defesas, medos e resistências. Nos acompanham a fé, a esperança e a autoconfiança como âncora nesta viagem, uma viagem que se torna um ritual conjunto planejado e agendado ou subentendido de diálogos silenciosos, de partidas e chegadas. 


Este ritual simboliza para mim como psicoterapeuta uma dança interior, uma dança que espelha o desejo e vinculo entre paciente e terapeuta, uma dança de autoconhecimento e autoaceitação. 

Com frequência falamos da vulnerabilidade do paciente, do significado, da importância e utilidade ou não dos processos terapêuticos, pouco falamos dos sentimentos do terapeuta, da solidão ou da sua impotência, daquilo que acontece quando o paciente chega e quando o paciente sai da sessão. 

O consultório também torna-se espaço útero para o terapeuta. A consulta termina e será necessária uma pausa para organizar as imagens e os conteúdos do encontro. É preciso um momento para uma reorganização interna, nem sempre possível, é este um momento de recolhimento, centro e individuação, por sorte neste momento também há comoção. 

Há muitos anos, uma frase escrita sempre na primeira folha da minha agenda terapêutica me acompanha: A capacidade de tolerar a incerteza é um pré requisito para nossa profissão, não sei quem será o autor ou autora dessa frase, sei que ela me ajuda a entender que cada paciente é único e especial, que cada historia é cada historia, e cada um tem sua forma e seu tempo. Esta frase remete minha atenção para cuidar da própria  soberba e da onipotência. No cuidado de si e do outro devemos perceber e respeitar nosso tempo interno e o tempo real ou imaginário do paciente. Sem nós propor há o perigo de tecer armadilhas, boicotes e frustrações relacionadas a desejos ou expectativas mutuas. 

Criar um vinculo desde o reconhecimento e a espontaneidade faz deste processo um processo sano e humano tanto para o paciente quanto para o terapeuta. Compartilho nesta postagem um outro olhar, o olhar de Martha Medeiros quem descreve de forma brilhante e bem humorada o que acontece do lado do paciente quando chega e sai da consulta.

Antes de iniciar a leitura gostaria destacar o paragrafo da escritora Martha Medeiros: Ninguém fica com vergonha de ir ao dermatologista, ao oculista ou ao geriatra, mas consultar um analista ainda é algo extremamente íntimo. 

Sem duvida como pacientes precisamos desmitificar o que 
acontece e nos acontece quando consultamos um terapeuta. Precisamos deixar de sentir vergonha quando falamos de nosso crescimento pessoal. Procurar ajuda e crescer junto é uma experiência de maturidade, claro que existem patologias e estigmatizações,existem medos de ser avaliados como "pessoas faltas", refletir sobre nossa experiência e relação terapêutica  já é o inicio.
Há uma diferença grande entre necessitar fazer terapia e querer fazer terapia, talvez seja neste ponto de reencontro ou na crença que fundamentamos sobre nossas atitudes e comportamento que se escondam alguns de nossos temores em um dos momentos mais íntimos de  nossa vida. A TERAPIA.
Como terapeutas precisamos reconhecer nosso momento de impotência e frustração, precisamos trabalhar na procura de uma medida certa quando lidamos com nossas capacidades e limites.

Nossa sociedade deve aprender a se relacionar de uma forma mais saudável com os profissionais da saúde mental, acho que ainda há muita gente que fala que ir no psicólogo é coisa de maluco, por sorte o conceito esta mudando. Ir no terapeuta deixou de ser um mistério. Naturalidade e espontaneidade começam a permear nossa relação com um olhar sensível e humanizado que nós permite controlar e regularizar o termo patologização.
Uma boa leitura, abraços

Luz Marina


A sala de espera do analista.

Martha Medeiros

Sempre que saio da minha consulta no analista, há uma senhora na sala de espera aguardando sua vez. Antes, eu cruzava por ela e fazia um aceno educado com a cabeça. Com o tempo, passei a sorrir e dizer “tudo bem?”. Em breve, me sentirei tão à vontade que perguntarei : “E aí, qual é a sua encrenca? Dificuldade de desapegar, síndrome do pânico, bipolaridade?”

E tudo terminará num bistrô, entre boas risadas.
Obviamente, meu comportamento demonstra um desajuste. Não é por acaso que preciso frequentar um profissional que aperte meus parafusos frouxos.
Percebi minha inadequação pois, quando sou eu que estou na sala de espera, a situação se inverte. O paciente anterior sai e nem olha para os lados. Cruza por mim como se eu fosse uma cadeira vazia. Nem uma espichada de olhos, nem um esgar, nem um grunhido. Não existo. Ele passa reto. Sou uma cadeira.
Eu poderia ficar com a autoestima abalada, ele não sabe o que está fazendo. Ou talvez saiba, mas não se importa com o que sinto. Será que ele não se importa com o que sinto? Acho que estou desenvolvendo um complexo de inferioridade. Mais essa agora. Desse jeito, minha alta não virá nunca.
Quando eu entro em uma pequena sala de espera, qualquer que seja, cumprimento quem ali está. Não saio dando beijinhos, mas demonstro educadamente que percebi a presença da outra pessoa no recinto. Logo, é natural que eu faça o mesmo numa sala de espera que frequento toda semana à mesma hora, e onde eventualmente vejo as mesmas pessoas saindo ou entrando. Compartilhamos uma rotina, ora.
Só que não funciona assim. Ninguém fica com vergonha de ir ao dermatologista, ao oculista ou ao geriatra, mas consultar um analista ainda é algo extremamente íntimo. Os pacientes sentem-se constrangidos ao serem vistos num ambiente onde costumam confessar seus traumas e fraquezas. Talvez não acreditem na eficiência do revestimento acústico das paredes, desconfiam de que aquela criatura ali na sala de espera escutou os detalhes de suas compulsões sexuais e de suas neuroses cabeludas. Era para ter ficado tudo em segredo, era para ser um momento privado, inviolável, confidencial – e é! –, porém, em poucos minutos, aquele estranho sentará na mesma poltrona, ou deitará no mesmo divã, e privará dos cuidados do mesmo profissional, imediatamente depois de termos estado ali, e a sensação é de promiscuidade.
Queremos acreditar que o terapeuta é só nosso. Mas não é: aquela criatura nefasta sentada na sala de espera nos joga na cara que somos apenas mais um, que nossos problemas não são o centro da atenção de quem nos analisa, de que é provável que suas paranoias sejam muito mais interessantes do que nossos questionamentos banais. Intolerável. Melhor fazer de conta que ali fora está apenas mais uma cadeira vazia.
Como tem gente maluca nesse mundo.