domingo, 23 de novembro de 2014

A DANÇA INTERIOR


A DANÇA INTERIOR: Na Sala de Espera do Analista




Enquanto aguardo pacientemente impaciente terminar uma reforma em casa, decidi literalmente sacudir a poeira e retomar novamente meu blog OUTROS OLHARES, esquecido por mim e talvez pelos meus leitores. Estou aqui movida pelas minhas reflexões e meus interesses tentando escrever em portunhol sobre vínculos, relações e outras cositas.       
                       
As mensagens rápidas nas redes sociais e a vida corrida aparecem como desculpas que não justificam de forma alguma esta ausência ou descaso com um espaço que exige de mim uma parada, um momento de reflexão, uma intenção e uma ação.


Uma conversa via whatsapp (outra quase rede social de mensagens que pessoalmente acho barata, rápida, pratica e útil porém algumas vezes impessoal), foi minha fonte de inspiração, assim foi que decidi um domingo parar e escrever sobre um tema do meu cotidiano, o setting terapêutico. 

O termo Setting terapêutico, foi definido  por Zimerman em 1999, como o espaço organizador e normativo estabelecido logo no início do tratamento psicoterapêutico. Uma vez estabelecido o contrato terapêutico a proposta é de se tornar um espaço seguro onde o cliente ou paciente seja acolhido em sua forma de ser, um espaço para elaborar a dor, trabalhar magoas, medos e conflitos, configura-se principalmente como um espaço de construção. E,é aqui neste espaço que as dinâmicas relacionais paciente - terapeuta, terapeuta - paciente se consolidam e fortalecem, duvidas, incertezas, transferências e contratransferências dançam juntas, nas percepções individuais, ora paciente, ora terapeuta.


Naquela conversa descobri em mim um sentimento velado de impotência e solidão. Um simples comentário me fez pensar quanto paciente e terapeuta navegamos juntos na psicoterapia. Navegamos em um navio útero acolhedor e contenedor. Lá vamos nós nesta travessia, paciente e terapeuta, armados algumas vezes e carregados de redes  com defesas, medos e resistências. Nos acompanham a fé, a esperança e a autoconfiança como âncora nesta viagem, uma viagem que se torna um ritual conjunto planejado e agendado ou subentendido de diálogos silenciosos, de partidas e chegadas. 


Este ritual simboliza para mim como psicoterapeuta uma dança interior, uma dança que espelha o desejo e vinculo entre paciente e terapeuta, uma dança de autoconhecimento e autoaceitação. 

Com frequência falamos da vulnerabilidade do paciente, do significado, da importância e utilidade ou não dos processos terapêuticos, pouco falamos dos sentimentos do terapeuta, da solidão ou da sua impotência, daquilo que acontece quando o paciente chega e quando o paciente sai da sessão. 

O consultório também torna-se espaço útero para o terapeuta. A consulta termina e será necessária uma pausa para organizar as imagens e os conteúdos do encontro. É preciso um momento para uma reorganização interna, nem sempre possível, é este um momento de recolhimento, centro e individuação, por sorte neste momento também há comoção. 

Há muitos anos, uma frase escrita sempre na primeira folha da minha agenda terapêutica me acompanha: A capacidade de tolerar a incerteza é um pré requisito para nossa profissão, não sei quem será o autor ou autora dessa frase, sei que ela me ajuda a entender que cada paciente é único e especial, que cada historia é cada historia, e cada um tem sua forma e seu tempo. Esta frase remete minha atenção para cuidar da própria  soberba e da onipotência. No cuidado de si e do outro devemos perceber e respeitar nosso tempo interno e o tempo real ou imaginário do paciente. Sem nós propor há o perigo de tecer armadilhas, boicotes e frustrações relacionadas a desejos ou expectativas mutuas. 

Criar um vinculo desde o reconhecimento e a espontaneidade faz deste processo um processo sano e humano tanto para o paciente quanto para o terapeuta. Compartilho nesta postagem um outro olhar, o olhar de Martha Medeiros quem descreve de forma brilhante e bem humorada o que acontece do lado do paciente quando chega e sai da consulta.

Antes de iniciar a leitura gostaria destacar o paragrafo da escritora Martha Medeiros: Ninguém fica com vergonha de ir ao dermatologista, ao oculista ou ao geriatra, mas consultar um analista ainda é algo extremamente íntimo. 

Sem duvida como pacientes precisamos desmitificar o que 
acontece e nos acontece quando consultamos um terapeuta. Precisamos deixar de sentir vergonha quando falamos de nosso crescimento pessoal. Procurar ajuda e crescer junto é uma experiência de maturidade, claro que existem patologias e estigmatizações,existem medos de ser avaliados como "pessoas faltas", refletir sobre nossa experiência e relação terapêutica  já é o inicio.
Há uma diferença grande entre necessitar fazer terapia e querer fazer terapia, talvez seja neste ponto de reencontro ou na crença que fundamentamos sobre nossas atitudes e comportamento que se escondam alguns de nossos temores em um dos momentos mais íntimos de  nossa vida. A TERAPIA.
Como terapeutas precisamos reconhecer nosso momento de impotência e frustração, precisamos trabalhar na procura de uma medida certa quando lidamos com nossas capacidades e limites.

Nossa sociedade deve aprender a se relacionar de uma forma mais saudável com os profissionais da saúde mental, acho que ainda há muita gente que fala que ir no psicólogo é coisa de maluco, por sorte o conceito esta mudando. Ir no terapeuta deixou de ser um mistério. Naturalidade e espontaneidade começam a permear nossa relação com um olhar sensível e humanizado que nós permite controlar e regularizar o termo patologização.
Uma boa leitura, abraços

Luz Marina


A sala de espera do analista.

Martha Medeiros

Sempre que saio da minha consulta no analista, há uma senhora na sala de espera aguardando sua vez. Antes, eu cruzava por ela e fazia um aceno educado com a cabeça. Com o tempo, passei a sorrir e dizer “tudo bem?”. Em breve, me sentirei tão à vontade que perguntarei : “E aí, qual é a sua encrenca? Dificuldade de desapegar, síndrome do pânico, bipolaridade?”

E tudo terminará num bistrô, entre boas risadas.
Obviamente, meu comportamento demonstra um desajuste. Não é por acaso que preciso frequentar um profissional que aperte meus parafusos frouxos.
Percebi minha inadequação pois, quando sou eu que estou na sala de espera, a situação se inverte. O paciente anterior sai e nem olha para os lados. Cruza por mim como se eu fosse uma cadeira vazia. Nem uma espichada de olhos, nem um esgar, nem um grunhido. Não existo. Ele passa reto. Sou uma cadeira.
Eu poderia ficar com a autoestima abalada, ele não sabe o que está fazendo. Ou talvez saiba, mas não se importa com o que sinto. Será que ele não se importa com o que sinto? Acho que estou desenvolvendo um complexo de inferioridade. Mais essa agora. Desse jeito, minha alta não virá nunca.
Quando eu entro em uma pequena sala de espera, qualquer que seja, cumprimento quem ali está. Não saio dando beijinhos, mas demonstro educadamente que percebi a presença da outra pessoa no recinto. Logo, é natural que eu faça o mesmo numa sala de espera que frequento toda semana à mesma hora, e onde eventualmente vejo as mesmas pessoas saindo ou entrando. Compartilhamos uma rotina, ora.
Só que não funciona assim. Ninguém fica com vergonha de ir ao dermatologista, ao oculista ou ao geriatra, mas consultar um analista ainda é algo extremamente íntimo. Os pacientes sentem-se constrangidos ao serem vistos num ambiente onde costumam confessar seus traumas e fraquezas. Talvez não acreditem na eficiência do revestimento acústico das paredes, desconfiam de que aquela criatura ali na sala de espera escutou os detalhes de suas compulsões sexuais e de suas neuroses cabeludas. Era para ter ficado tudo em segredo, era para ser um momento privado, inviolável, confidencial – e é! –, porém, em poucos minutos, aquele estranho sentará na mesma poltrona, ou deitará no mesmo divã, e privará dos cuidados do mesmo profissional, imediatamente depois de termos estado ali, e a sensação é de promiscuidade.
Queremos acreditar que o terapeuta é só nosso. Mas não é: aquela criatura nefasta sentada na sala de espera nos joga na cara que somos apenas mais um, que nossos problemas não são o centro da atenção de quem nos analisa, de que é provável que suas paranoias sejam muito mais interessantes do que nossos questionamentos banais. Intolerável. Melhor fazer de conta que ali fora está apenas mais uma cadeira vazia.
Como tem gente maluca nesse mundo.